top of page
Buscar

A moda dói, mas o sertanejo cura (quase tudo)

  • Foto do escritor: Lara Oliveira
    Lara Oliveira
  • 29 de abr.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 5 de mai.

Por Lara Oliveira


Tem dias que a gente acorda sabendo que vai viver uma história. Foi assim no sábado, dia 12/04, quando decidi que nada – nem a fila, nem a poeira, nem o horário – ia me impedir de curtir Diego e Victor Hugo ao vivo e, o melhor, de graça, na Expo Araguari.


Eu, apaixonada por sertanejo, sempre soube que um show não é apenas um evento musical, é um ritual. E, como toda boa ritualística, exige preparação. Por isso, semanas antes da Expo Araguari, eu já estava planejando meu look: um short saia de couro preto e um corset branco, também de couro, que parecia ter saído do feed de uma influencer. 


Me olhava no espelho e sentia que faltava algo. Fui ao shopping. Na primeira loja, vi uma bota lindíssima, tive certeza de que ela era perfeita para completar meu look. Preta, cano curto, couro legítimo e textura croco. Um luxo só. Calcei, virei para minha mãe e disse: "Ela é tão confortável, vou levar” – mas, com sua imensa sabedoria, minha mãe replicou: “Quero ver depois de quatro horas em pé”. Sem dar spoiler, sua fala foi como a de um profeta. Como ainda não sei prever o futuro, comprei como quem compra um ingresso para um novo eu.


Bonita na vitrine, impiedosa no pé: a bota que venceu a noite                                                                                                                   Foto: Imagem gerada por IA
Bonita na vitrine, impiedosa no pé: a bota que venceu a noite Foto: Imagem gerada por IA

Chegou o grande dia. Mais do que pelo show, eu estava ansiosa era pra estrear minha bota nova. Meu namorado, sempre paciente, me esperou por algumas horas enquanto eu me arrumava. Saí de casa às 20h30, perfumada, maquiada, com o cabelo impecável e um sorrisinho de quem sabe que vai arrasar. E arrasei mesmo (pelo menos nas primeiras quatro horas). Impecável, digna de um post no Instagram: “Bonita, mas pronta pra sofrer”.


Partindo de Uberlândia, a viagem para Araguari foi rápida. Agora, a fila para entrar que parecia uma prova de resistência. Mais de uma hora em pé. Tinha gente de toda parte, chapéus, copões coloridos, casal discutindo, moça fazendo stories, criança perdida, moço vendendo cerveja. Entrei só depois de longas negociações com meus próprios pés. Eles já começavam a protestar, mas a bota estava tão bonita que ignorei os sinais.


Lá dentro, algo me despertou medo: o show era na areia. E me perguntei: “Dá pra dançar?”. Claro que dava. Eu nem imaginava que, horas depois, aquela mesma pergunta ecoaria na minha mente como uma maldição. Entrei e me acomodei muito próximo à grade. Estava radiante de felicidade. Antes do grande momento, um show de abertura com uma banda desconhecida. O relógio já marcava 23 horas, horário programado para Diego e Victor Hugo entrarem, mas nada deles. Eu já sentia a bota, tão amiga no espelho, virando uma inimiga silenciosa. “Depois que eles entrarem, a adrenalina vai anestesiar tudo”, eu pensava, enquanto me apoiava no meu namorado como se ele fosse uma muleta humana.  


O show começou às 23h30. Por um momento, a magia do sertanejo realmente apagou a dor. Dançamos, cantamos, pulamos – eu, ele e minha bota nova. Gritei, gravei vídeo abraçada com meu namorado, cantei “Tubarões” como se fosse um hino da minha geração, mas conforme o relógio andava e Diego e Victor Hugo iam emendando um sucesso no outro, minha energia ia diminuindo. Não pelo ritmo, mas pela dor nos pés que, a essa altura, já tinham virado dois corações partidos dentro daquela bota.


Lá pela metade do show, a realidade bateu: meus pés estavam em chamas. Cada “tô gravando esse áudio pra dizer que não dá mais” do Diego soava como um apelo pessoal. Fiquei firme até onde deu. Por volta de duas horas, enquanto o povo pulava ao som de “Desbloqueado”, eu estava mentalmente bloqueando a ideia de dar mais um passo. E quase implorando para que ele acabasse aquele show. Às 2h30, quando o show finalmente terminou, eu já não era a mesma mulher confiante que saiu de casa. Era uma espécie de Cinderela pós-baile, só que, em vez de perder o sapato, eu queria era jogá-lo no lixo. 


Meu herói? O mesmo namorado que, sem reclamar, me carregou no colo até o carro, porque eu já não tinha condições de andar. Passávamos sob os olhares comovidos das senhoras que diziam: “Que romântico! Queria que meu marido fizesse isso por mim”. Eu, entre a dor e o riso, só pensava: queria que alguém tivesse me impedido de usar essa bota.


Cheguei em casa às três horas da manhã, acabada, descalça, mancando, mas ainda com um leve orgulho por ter, ao menos por um tempo, sustentado o look. O preço da beleza? Uma cratera na sola de cada pé e uma reflexão na cabeça. A gente se machuca por estética. Suporta o desconforto em nome do visual. Sofre calada, ou quase calada, por aquele ideal de “estar na moda”. No meu caso, o ideal tinha salto, couro na textura croco e uma palmilha que, depois de cinco horas, sinceramente, parecia ser feita de pedra.


No fim, valeu? Valeu. Talvez a culpa tenha sido do Diego e Victor Hugo, que resolveram estender o show como se a gente não tivesse limites físicos, mas sinceramente, nada mais a minha cara do que misturar amor, drama e música sertaneja na mesma madrugada.


A bota fez o show, ele fez o resgate                                                                                                                                                                                                                               Foto: Imagem gerada por IA
A bota fez o show, ele fez o resgate Foto: Imagem gerada por IA

A crônica da minha noite é a crônica de tantas de nós: sujeitamo-nos ao desconforto em nome da moda. Usamos sapatos que machucam e roupas que mais parecem armaduras, mas no meio do caos, sempre sobra um alento – seja o colo do amor, o riso da situação ou, no meu caso, a dúvida se, no próximo show, coloco a beleza no pé ou no bom senso.


Afinal, a moda machuca, o sertanejo cura e o bom senso fica em algum lugar ali no meio. 

 
 
 

Comments


bottom of page